quinta-feira, 23 de junho de 2016

Noções sobre Economia Criativa no Brasil atual e questionamento sobre seus aspectos jurídicos



Resumo:


O presente trabalho visa a discorrer de maneira breve sobre os aspectos da Economia Criativa, referentes à cultura brasileira, e a questionar sobre a existência dos aspectos legais que amparam esse viés de Economia Criativa no Brasil. O trabalho também tem a finalidade de analisar o posicionamento de instituições como BNDES, SEBRAE e IPEA, além das internacionais, como UNCTAD e PNUD. A conclusão visa a apontar sobre a importância do surgimento de leis que amparem ainda mais a Economia Criativa.

Palavras-chave: Economia Criativa; regulamentação; cultura brasileira

Introdução

O presente trabalho tem a finalidade de analisar, no âmbito geral, a Economia Criativa no Brasil atual e, especificamente, questionar a existência de leis referentes ao amparo da Economia Criativa na área da cultura. Busca pesquisar o conceito de Economia Criativa, o surgimento desse conceito, como ele é visto nos círculos acadêmicos e governamentais e a posição de instituições como o BNDES e o SEBRAE, bem como do PNUD e da UNCTAD, detalhados posteriormente.

Após ter algumas informações coletadas sobre o tema e ler alguns textos durante o primeiro semestre acadêmico de 2016, iniciou-se a delimitação da metodologia por meio do método quantitativo, utilizando levantamento bibliográfico por meio de relatórios, artigos e documentos do governo; foi deveras importante a leitura do livro de Mariana Gonçalves Madeira (2014) sobre Economia Criativa, recomendado durante o curso, o qual esclareceu importantes pontos para a confecção desta dissertação.

A cultura do Brasil é tão vasta quanto sua extensão territorial. Como expõe Jaguaribe (2008, p. 56), o Brasil possui mais de 8,5 milhões de km², correspondendo a terras quase totalmente utilizáveis. É, portanto, o 5º maior território nacional do mundo e a quinta maior população. A cultura, por sua vez, não poderia deixar de apresentar sua importância para a Economia do Brasil.

Neste sentido, surge a hipótese de que a cultura, as artes, as festas populares, até mesmo compostas por manufaturas, são um importante símbolo para o Brasil e constituíram uma importante base para a estrutura econômica do País. No entanto, devem ser auxiliadas por leis internas que, de fato, viessem a compor a regulamentação nesta área.

O Brasil destaca-se por seus produtos, música, festas populares, audiovisual (cinema, novela e produção independente), livro, artesanato, moda, como cita Madeira (2014), bem como no design, na arquitetura e publicidade. Isto mostra a vasta gama de possibilidades de economia criativa e o presente trabalho visa a discorrer especificamente sobre aspectos gerais, sem a análise aprofundada de cada produto ou setores da economia criativa.

Nas considerações finais, o artigo pretende demonstrar a necessidade de buscar melhor amparo à cultura, tendo em vista sua importância na economia brasileira, sobretudo ao exportar padrões artísticos para o mundo. A finalidade, nesta parte, é englobar as ideias principais da dissertação, provocar e propor novas análises e debates sobre o tema.


Conceitos e ideias sobre Economia Criativa

A Economia Criativa surgiu como conceito em 1994, na Austrália, a partir do projeto “Creative Nation”, que defendia a importância do Trabalho Criativo para a economia. Segundo a página na Internet do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, SEBRAE, 

Economia Criativa é um termo criado para nomear modelos de negócio ou gestão que se originam em atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda. Diferentemente da economia tradicional de manufatura, agricultura e comércio, a economia criativa, essencialmente, foca no potencial individual ou coletivo para produzir bens e serviços criativos (SEBRAE, 2016).

Para Newbigin (2010),


A Economia Criativa mistura valores econômicos e valores culturais. Esta ampla e complexa herança cultural é o que diferencia a economia criativa de qualquer outro setor da economia. De fato, a atividade cultural não esteve incluída como um componente da economia durante uma boa parte da história humana. Abrangia aquelas atividades nas quais as pessoas pensavam quando deixavam de trabalhar, mas não faziam parte da sua vida laboral. Inclusive hoje, as indústrias criativas são expressões do valor cultural e econômico (NEWBIGIN, 2010, p.13).


A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, UNCTAD, que visa aprimorar o comércio internacional em prol do desenvolvimento econômico, preocupa-se com esse aspecto econômico, principalmente em países em desenvolvimento. 

Por sua vez, a UNCTAD tem sua própria definição, que converge com as duas últimas: “a ‘economia criativa’ é um conceito em evolução baseado em ativos criativos que potencialmente geram crescimento e desenvolvimento econômico” (UNCTAD, 2012, p.10).

Para a UNCTAD, a economia criativa pode estimular a geração de renda, criação de empregos, bem como a exportação dos ganhos, promovendo, também, a inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano. Abrange, ao mesmo tempo, aspectos econômicos, culturais e sociais que interagem com objetivos tecnológicos, de turismo e propriedade intelectual.

Para a instituição, os países em desenvolvimento reconheceram apenas recentemente a dimensão do desenvolvimento da economia criativa. Especialmente para o Brasil, os objetivos da UNCTAD são muito pertinentes, como reconciliar os objetivos culturais nacionais com as políticas comerciais tecnológicas e internacionais e identificar respostas de políticas inovadoras para aprimoramento da economia criativa a fim de gerar ganhos de desenvolvimento.

Sobre as leis acerca do tema no Brasil: breve debate

De acordo com Ana Hollanda, Ministra da Cultura em 2012 (HOLLANDA apud BRASIL, MinC, 2012), a Organização das Nações Unidas produziu a primeira Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, em 4 de dezembro de 1986. Em 1988, a Constituição Federal seguiu os preceitos da Declaração da ONU e estabelece o Direito ao Desenvolvimento como um direito fundamental.

De 2011 a 2014 foi lançado o Plano da Secretaria da Economia Criativa (SEC) pelo Ministério da Cultura, após uma série de debates na UNCTAD, PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O Plano registra que o Brasil não se encontra entre os 10 países em desenvolvimento que produzem e exportam produtos de bens e serviços criativos.

A SEC é regida pela Portaria nº 40, de 30 de abril de 2013 e garante apenas fonte informativa, por finalidade do Ministério da Cultura e não substituem os publicados nos respectivos Diários Oficiais da União. No momento há carência de lei que defina parâmetros para a Economia Criativa, direitos autorais, contratos, formalidades, entre outras relações nesse âmbito. 

O plano da SEC possui cinco desafios, sendo que o último consiste na criação/adequação de Marcos Legais para os setores criativos (SEBRAE, 2016). A fim de superar esses desafios, foram propostas iniciativas a serem implementadas pelo Ministério da Cultura. Para os marcos legais, são consideradas a


Desoneração tributária de atividades criativas, redução da carga tributária incidente sobre as atividades criativas, inclusão de micro e pequenos empreendimentos criativos na Lei Geral das MPEs, ampliação do enquadramento da Lei Geral para beneficiar os pequenos empreendimentos criativos, inclusão de atividades criativas na lei do Microempreendedor Individual (MEI) e a ampliação do enquadramento da Lei do MEI para beneficiar as atividades e a força de trabalho criativa (SEBRAE, 2016).



Para que haja efetivo resultado por parte dessas iniciativas propostas, deve haver a superação dos demais desafios juntamente com a criação dos marcos legais para os setores criativos. Esses desafios são o levantamento de informações e dados sobre a Economia Criativa brasileira, articulação e estímulo ao fomento de empreendimentos criativos, educação para competências criativas e infraestrutura de criação, produção, distribuição e consumo de bens e serviços criativos (SEBRAE, 2016).


Existem regimentos internos, referentes a regras seguidas dentro do Ministério da Cultura, como o decreto 7.743, de 31 de maio de 2012, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Cultura, bem como a Portaria citada anteriormente. No entanto, quanto à legislação referente à economia criativa no Brasil, constata-se que está em fase de planejamento. Impasses geralmente são solucionados perante o Código Civil em vigor e a leis esparsas, mas não específicas.





Análises econômicas de Instituições sobre o tema


O SEBRAE, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, dedica-se ao estudo e ao levantamento de dados sobre os resultados nacionais nessa categoria econômica. Segundo a página da instituição na Internet, a contribuição dos seguimentos criativos no País foi de 2,7% do PIB em 2011, como afirma a FIRJAN, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (SEBRAE, 2016).

Nesse sentido, os dados indicam que o Brasil está entre os maiores produtores de criatividade no mundo, superando Itália e Holanda. No entanto, perante os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, ainda há muito que ser feito, uma vez que esses países possuem a economia criativa bem relevante.

Para uma melhor compreensão da dimensão da economia criativa, a PAS/IBGE, mostrou a proporcionalidade das ocupações criativas e o valor adicionado no Brasil. Os dados de 2007, 2008 e 2009 mostram-se crescentes, embora a informalidade tenha interferido no resultado da pesquisa e na realidade das informações. Dentre as indústrias criativas, de acordo com o IPEA (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013, p. 37), o setor que se demonstra mais expressivo é o da mídia impressa (imprensa, mercado editorial e outras publicações) com 25,8% do valor total no ano de 2009.

Em seguida, com 23%, vem o segmento de New Media, onde se encontra o mercado de publicidade e geração de conteúdo na Internet (principalmente web). Depois, com 10,7%, vem os serviços criativos (arquitetura, ensino, recreação, P&D criativo e outros).

Por fim, bem abaixo dos setores citados, vem as artes performáticas (circo, dança, música, teatro e demais espetáculos), com 3,1% do valor adicional e o segmento de design, por 2,9%. Com valores inexpressivos, ficam as artes visuais (escultura, fotografia e pintura). Geralmente estes últimos fazem parte de maior grau de informalidade (Op. Cit. p.38).

Madeira (2014) critica a produção nacional sobre economia criativa e dos setores criativos brasileiros, quanto aos dados estatísticos, ao afirmar ser “escassa e pouco desenvolvida” (MADEIRA, 2014, p.188). A autora lembra que não existe uma conta satélite da cultura nos levantamentos do IBGE.

Não houve, também, uniformização da classificação de atividades econômicas e da força de trabalho relacionadas aos setores criativos. A autora, por fim, afirma que os dados divulgados pelo Ministério da Cultura tem por base apenas o estudo da Firjan e do Relatório da UNCTAD, em 2010 (Op. Cit. p.188).

Um dos assuntos debatidos durante as aulas foi sobre a regulamentação do Comércio Internacional. Esse assunto pode acrescentar mais sobre a análise da economia criativa no Brasil, com foco nas exportações e na igualdade de oportunidades no mercado para os países em desenvolvimento. Essa defesa é abordada no texto de Bernadete de Figueiredo Dias (DIAS apud BASSO; PRADO; ZAITZ, 2005) sobre o Acordo sobre medidas de Investimentos Relacionados ao Comércio (TRIMS) no âmbito da OMC.

A preocupação acerca do comércio internacional e sua regulamentação vem desde a Carta de Havana, de 1947, segundo Dias (2005, p.93). Na carta, que objetivava uma Organização Mundial do Comércio, “tentou-se adotar disposições específicas sobre investimentos, nos seus capítulos III e v, que tratavam, respectivamente, do “Desenvolvimento Econômico e Reconstrução” e das “Práticas Empresariais Restritivas” (Op.Cit.p. 93).

A autora lembra que o texto completo da Carta, no entanto, nunca entrou em vigor, tendo contado com a assinatura de 54 países. Apenas o capítulo IV, chamado “Política Comercial Internacional”foi adotado por alguns Estados. Daí surgiu o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), em 1947, importante passo para a regulamentação comercial em escala mundial.

A partir daí, houve a preocupação crescente dos países em desenvolvimento por estabelecer limites e regras aos demais países, com a finalidade de garantir a aplicação de políticas públicas em prol do desenvolvimento econômico, limitando, inclusive, intervenção dos Estados receptores de investimentos na economia (Op. Cit. p. 96).

O TRIMS, no referido texto, somente se refere às medidas de investimentos relacionadas ao comércio de bens. A finalidade essencial do acordo era propor medidas concernentes aos investimentos internacionais, que possivelmente tenham efeitos negativos sobre as trocas comerciais de mercadorias (Op. Cit. p 99).

Com restrições a investimentos estrangeiros garantidos, a produção nacional poderia desenvolver-se, favorecendo trocas comerciais de mercadorias. O texto esclarece alguns pontos interessantes sobre o panorama no qual surgiu o conceito de economia criativa.


Considerações finais



O trabalho surgiu a partir do texto sugerido de Madeira (2014) e buscou tratar dos conceitos básicos, a importância da economia criativa no País e questionou sobre a legislação em vigor a fim de garantir um melhor amparo em questões como direitos autorais, incentivo a empresas, garantias para indústrias criativas e autônomos, formação de competências e inovação, a fim de fazer o Brasil configurar-se entre os melhores da economia criativa no mundo, em boa colocação.

Apesar do considerado destaque no perfil econômico do Brasil, este setor ainda está em fase de planos quanto à legislação. A relação entre leis e economia criativa tem a ver com as ideias surgidas após a conclusão da disciplina “Ordem Econômica Internacional” e surgiu devido ao pouco material disponível sobre o assunto.

É necessário um encontro entre operadores do Direito, empresários, empreendedores, setores ligados à pesquisa, ao amparo às Micro e Pequenas Empresas e, a partir disso, produzir resultados efetivos, leis e maior produção nacional de qualidade, em todos os sentidos, ou seja, intelectual, legislativo, econômico.


Referências Bibliográficas


DIAS, Bernadete de Figueiredo. O TRIMS e as decisões do órgão de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio in: BASSO, M; PRADO, M.A; ZAITZ, Daniela (orgs). Direito do Comércio Internacional – Estudos em homenagem ao Professor Luiz Olavo Baptista. Curitiba: Juruá Editora, 2005.

BRASIL. Relatório de Economia Criativa 2010: uma opção de desenvolvimento. Brasília: MinC; São Paulo: Itaú Cultural, 2012.

MADEIRA, Mariana Gonçalves. Economia Criativa: implicações e desafios para a política externa brasileira. Brasília: FUNAG, 2014.

NEWBIGIN, John. A Economia Criativa: um guia introdutório. Londres: British Council, 2010.

OLIVEIRA, J.M; ARAUJO, B.C; SILVA, L.V. Panorama da Economia Criativa no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2013.

SEBRAE. Conheça o Plano da Secretaria da Economia Criativa. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/conheca-o-plano-da-secretaria-da-economia-criativa,06fb5edae79e6410VgnVCM2000003c74010aRCRD. Acesso em: 14/06/2016.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Um breve apontamento sobre as ideias de Max Weber acerca da Administração Pública em “Economia e Sociedade”



Resumo

O presente trabalho tem a intenção de expor de maneira breve as ideias principais de Max Weber a respeito da Administração Pública em seu livro “Economia e Sociedade” (Wirtschaft und Gesellschaft), de 1913, em especial no Capítulo VII da obra, chamado “Sociologia do Direito”. O trabalho também tem o intuito de relacionar os pontos principais das ideias de Weber com algumas ideias contemporâneas do Direito Público brasileiro, ­ressaltando a importância da obra para a compreensão da Sociologia Jurídica atual, bem como refletir sobre o sentido de Poder Público para Weber por meio da racionalização jurídica.



Palavras-chave: Max Weber; Administração Pública; Economia; Sociologia Jurídica



Introdução e contexto histórico

Max Weber nasceu em Erfurt, no dia 21 de abril de 1864 e faleceu em Munique aos 14 de junho de 1920. Foi considerado um dos fundadores do estudo da sociologia moderna, embora tenha sido atuante e também conhecido na Economia, no Direito, na Filosofia e na Ciência Política. Suas principais obras foram “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1905; “Economia e Sociedade”, finalizada em 1922 e; “História Econômica geral”, de 1927.

No contexto histórico, Weber foi contemporâneo de Karl Marx e, para uma ligeira ilustração da atividade intelectual da época, em 1884, o volume do Capital é publicado, embora não tenha sido concluído. Na política e na economia, o período mundial que consistia entre o final da Guerra Franco-Prussiana em 1871 e o início da Primeira Guerra Mundial teve como importante característica o avanço da interdependência econômica mundial em proporções inéditas. E a Europa era o foco principal desse processo. 

Nas palavras de Christian Lohbauer, “o capitalismo industrial e comercial atingiu finalmente todos os continentes e unidades políticas, fossem colônias, ou nações soberanas” (LOHBAUER, 2008, p. 13). Desenvolveram-se os meios de comunicação, as estradas de ferro, meios de navegação em rios e canais artificiais, contribuindo sobremaneira para o comércio e a economia mundiais. 

Em 1890, Otto Von Bismarck sai da chancelaria do Império Alemão. O imperador Guilherme II, o novo Kaiser alemão, passa a ter papel fundamental nas relações diplomáticas entre as potências. Leis navais importantes passaram a ser promulgadas no Império Alemão com o apoio da classe industrial e nacionalista.

Weber encontrava-se, portanto, neste cenário: em plena unificação alemã. É densa toda sua extensa obra, porventura pertinente até os dias de hoje, especialmente Economia e Sociedade. O livro abarca minuciosamente o momento pelo qual o autor passava e, por meio da observação, conseguiu traçar importantes teorias e teses sobre a sociologia do Direito. Hobsbawm descreve aquele momento como um nacionalismo não oficial o qual estava soldado à “pequena Alemanha”, à qual:



(...) desde sempre se opusera – pelo poder militar e pela ambição global, conforme testemunham o triunfo do “Deutschland über Alles” sobre hinos nacionais mais modestos e o da nova bandeira prusso-alemã, preta, branca e vermelha, sobre a de 1848, preta, branca e amarela, ambos ocorridos na década de 1890 (HOBSBAWM, 2010, p. 173)



Após a morte de Weber, sociólogos contemporâneos fazem ressurgir as suas ideias, como o sociólogo americano Talcott Parsons, ao publicar em 1937 “A Estrutura da ação social”, apresentando, assim, Weber para o mundo atual.

Para M. Rainer Lepsius, Economia e Sociedade, organizado pela esposa de Weber, Marianne Weber, e mais tarde por Johannes Winckelmann, é um “torso” (LEPSIUS, 2012). Max Weber entregou para os serviços de impressão somente os três primeiros capítulos e o início do quarto. Portanto, somente estes foram, de fato, autorizados.

De acordo com Lepsius, o que houve no caso de Economia e Sociedade foi que dificilmente Weber o teria publicado como hoje é visto; o que existem são “versões inacabadas, originadas em diferentes fases de trabalho” (Op. Cit.). De uma maneira geral, o que fora publicado não havia sido autorizado pelo próprio autor.



Faltava uma introdução sistemática aos manuscritos do espólio. O texto que provavelmente ocupava essa posição, “Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva”, foi publicado em separado por Weber em 1913. Ele foi substituído pelos “Conceitos sociológicos fundamentais”, cuja terminologia, por essa razão, também não se encontra nos manuscritos do espólio. Mas tampouco a terminologia do artifo sobre as categorias foi utilizada continuadamente. Esta última, utilizada em parte nos manuscritos do espólio, precisa ser vista como superada. Os conceitos de “agir comunitário” e “agir concordante” foram substituídos por “agir social” (LEPSIUS, 2012).



Weber disse a um colega: “exagerar é a minha profissão”. Essa afirmativa, segundo Cohn (2003, p. 7), é o reflexo de todo o trabalho do autor alemão, condensado por meio de extensa pesquisa em diversos campos do saber, denotando erudição sem igual naquela época e preocupação com as questões políticas de seu tempo. 

Durante a fase decisiva da Primeira Guerra Mundial, Weber criticou veementemente a postura e os erros do governo alemão, representado por Guilherme II, a respeito de que se intensificasse a guerra submarina, a Alemanha estaria atraindo contra si a entrada dos Estados Unidos, “o que seria fatal” (Op. Cit.).

O nome de Weber, segundo o especialista da Universidade de São Paulo, 



(...) está intimamente associado na literatura sociológica à formulação de um conceito básico para a análise histórico-social: o “tipo ideal”. Trata-se de recurso metodológico para ensejar a orientação do cientista no interior da inesgotável variedade de fenômenos observáveis na vida social. Consiste em enfatizar determinados traços da realidade – por exemplo, aqueles que permitam caracterizar a conduta do burocrata profissional e a organização em que ele atua – até concebê-los na sua expressão mais pura e consequente, que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis (COHN, 2003, p. 8).



É sob essa perspectiva social e política que Weber redige suas principais ideias acerca da Administração Pública no capítulo VII de Economia e Sociedade, analisado a seguir.


Análise dos principais aspectos sobre Administração Pública no capítulo VII de Economia e Sociedade

O Capítulo VII de Economia e Sociedade, intitulado “Sociologia do Direito”, é carregado de palavras-chave. Dentre elas destacam-se os principais termos para a análise neste trabalho: racionalização; Ações Sociais; generalização; sistematização e Sociologia Compreensiva. Primeiramente, o autor ramifica a racionalização do Direito entre generalização e sistematização do Direito.


Generalização e Sistematização


A generalização, de acordo com o próprio autor, seria reduzir as ações que determinam a decisão a um ou diversos princípios. A sistematização, por sua vez, seria por as disposições jurídicas em inter-relacionamento por meio de análise, formando, assim, um sistema de regras. Esse ponto de vista torna-se lógico ou abstrato. O autor inicia diferenciando as áreas jurídicas objetivamente, uma vez que, segundo Cohn, a ideia da objetividade do conhecimento continua sendo problemática para Weber (COHN, p.22).


As Ações Sociais


De uma maneira sintética, as Ações Sociais impressas no Capítulo VII de Weber não pode ser definido como a sociedade, ou grupo social ou por meio de qualquer outro conceito de referência coletiva, embora obviamente a Sociologia trate de fenômenos coletivos, os quais Weber não negaria. Para Cohn,

O que ele [Weber] sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é “individualista” quanto ao método. Isso é inteiramente coerente com a posição sempre sustentada por ele, de que no estudo dos fenômenos sociais não se pode presumir a existência já dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrínseco; vale dizer, em termos sociológicos, de um sentido independente daqueles que os indivíduos imprimem às suas ações (Op. Cit. p. 26).


Para o agente, o motivo é o fundamento da ação; para o estudioso desse fenômeno, o sociólogo, o qual compreende essa ação, procura buscar a reconstrução do motivo e isso é fundamental para ele, pois a partir desse ponto de vista, ele figura como a “causa” da ação. Não se busca a origem da ação, ou seja, como e de onde ela surge, mas o objetivo da ação: o que ela visa buscar, o seu fim.

Convém salientar que a ação social não é um ato isolado mas um processo, no qual se percorre uma sequência definida de elos significativos (admitindo-se que não haja interferência alguma de elementos não pertinentes à ação em tela, o que jamais ocorre na experiência empírica e só é pensável em termos típico-ideais). Basta pensar em qualquer ação social (por exemplo, despachar uma carta) para visualizar isso. Os elementos desse processo articulam-se naquilo que Weber chama de “cadeia motivacional”: cada ato parcial realizado no processo opera como fundamento do ato seguinte, até completar-se a sequência (Op. Cit. pp 27 e 28).


O destaque no texto de Weber é o foco na singularidade das Ações, por meio de agentes individuais, mas também por meio de análise sociológica. É como observar uma pequena parte e tentar analisar um todo, sobre o qual não se pode ter um domínio completo. Este agente individual dá sentido às ações. E cada ação tem sentidos particulares, com autonomia interna “das diferentes esferas da existência humana”. 

Para melhor compreensão de Ação Social, para partir para a análise da próxima palavra-chave, nela a conduta do agente orienta-se pela conduta social, do outro, ou de outros. Exemplo disso é o aperto de mão, classificado por Cohn como ação social, pois tal conduta é orientada pela conduta do outro, como se fossem dependentes um do outro.


Da racionalização para o Círculo da Administração Pública


Weber analisa no capítulo VII o Direito como expressão do processo da racionalização inerente às sociedades ocidentais. Ele interpreta as ações dos indivíduos, que são as ações sociais, e as conexões entre os meios e os fins dessas ações. 

Poder-se-ia dizer que o autor vê o Direito com diversas matrizes, como na visão de um caleidoscópio, embora haja o interesse no aspecto formal do Direito, assim como na sua aplicação imediata. A teoria, vale ressaltar, é sempre passível de tentar explicar a realidade, mas está sujeita às escolhas subjetivas, de acordo com Weber.

O círculo da Administração Pública envolve três coisas: a criação do Direito, a aplicação do Direito e aquilo que resta de atividades institucionais públicas de se separar aquelas duas esferas, o “governo”. Para o governo, o indivíduo e seus interesses, juridicamente, são em princípio, objetos, não sujeitos jurídicos.

A postura do chefe de família é a forma mais primitiva de “governo”, pois ele desconhece o procedimento jurídico, com formas, prazos, provas. É a forma primitiva da aplicação do Direito. Com o passar do tempo, houve fases e fatores sociais que contribuíram para a racionalização peculiar à civilização ocidental. 

Weber avalia a qualidade moral das regras jurídicas (tendo um enfoque moralista) e contrasta com as necessidades subjetivas dos indivíduos. O Direito Público trata das questões dos interesses de que deve cuidar o próprio Estado, como instituição. No entanto, esses interesses confundem-se com a própria necessidade subjetiva, o que pode causar privilégios. 

Neste caso, é interessante refletir sobre o atual Direito brasileiro, que garante foro privilegiado e prerrogativas, por exemplo. Trata-se de um interessante aspecto que Weber havia previsto. Para Weber,


A questão de quais sejam, em cada caso, os interesses de que deve cuidar a própria insituição do Estado, até hoje, está sujeita a mudanças. E, sobretudo, pode acontecer que uma área de interesses seja intencionalmente regulamentada mediante o direito estatuído, de tal maneira que a criação de pretensões privadas de indivíduos e a de poderes de mando ou outras funções de órgãos estatais, às vezes até referentes à mesma questão, coexistam numa situação de concorrência (WEBER, 2004, p. 3).


O autor lembra do direito e das competências, principalmente dos poderes de mando, que tem o caráter de privilégios pessoais, e também as “prerrogativas”. Para Weber, o poder político, pela perspectiva jurídica, não tem estrutura de instituição, porém se apresenta na forma de “relações associativas e compromissos concretos dos diversos detentores e pretendentes de faculdades de mando subjetivas” (Op. Cit. p.3).

Por meio da perspectiva privada, quem possui originalmente toda administração é a autoridade doméstica. Weber analisa historicamente para discorrer sobre a origem do direito civil, a sua divisão com o direito penal, a abordagem do processo jurídico primitivo, com a ausência da culpa nas relações sociais, bem como do grau de culpabilidade estabelecido pela intenção.

Algumas regras no Direito Público eram estabelecidas por meio de certas restrições, como limitação de poder e divisão de poderes. Weber dá o exemplo da Idade Média, onde ninguém se ocupava do direito público, pois neste período a divisão de poderes era apenas concorrência entre direitos subjetivos, que naquele momento eram privilégios ou pretensões feudais.

Quanto à racionalização, um direito é formal “na medida em que se limita a considerar, no direito material e no processo, as características gerais unívocas dos fatos” (Op. Cit. p.13).


Sobre a Sociologia Compreensiva

Durante todo o texto, por meio de análise histórico-social da Europa e principalmente da Alemanha recém-unificada, Weber utiliza os seus fundamentos sobre Sociologia Compreensiva. Na verdade, esta palavra-chave deveria ser abordada antes de “Ação Social”, pois trata-se da base para se compreender as demais palavras-chave comumente utilizadas pelo autor.

A Sociologia seria tratada como ciência, pela qual se busca compreender o coletivo, interpretando a Ação Social. A ação social está intrínseca à sociologia compreensiva, pois essa interpreta as ações mentalizadas pelos sujeitos. Por meio da observação de fenômenos isolados, ordena-se um tipo, uma determinada realidade; compara-se por meio de análise de uma ação individual para o todo, coletivo.


Conclusão


A vasta erudição de Weber faz do Capítulo VII de Economia e Sociedade um texto multifacetado, onde há perspectivas sociológicas, históricas, jurídicas e até econômicas, embora o Capítulo VII não trate especificamente de Economia. 

Para isso, a ideia surgida após a leitura foi dar destaque na abordagem da Administração Pública, buscar analisar as ideias do autor com alguns aspectos jurídicos contemporâneos e analisar as palavras-chave mais frequentes e que formam a base para a compreensão da obra.

O trabalho teve caráter de breve apontamento, com o desafio de sintetizar o máximo as ideias do autor. Foi importante a exposição do conteúdo histórico para entender o panorama social do início do século XX na Europa. Com isso, o trabalho pode relacionar os pontos principais das ideias de Weber com algumas ideias de Direito Público, ­ressaltando a importância da obra para a compreensão da Sociologia Jurídica atual, bem como ter refletido sobre o sentido de Poder Público para Weber por meio da racionalização jurídica.


Referências bibliográficas

ARRUDA, Julia Peixoto de Azevedo. A sociologia do Direito de Max Weber. Artigo publicado no portal e-governo. http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/sociologia-do-direito-de-max-weber

COHN, Gabriel (org.). Weber. São Paulo: Ática, 2003.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

LEPSIUS, M. Rainer. Economia e Sociedade: a herança de Max Weber à luz da edição de sua obra completa. Revista Tempo Social. Vol 24, nº 1. São Paulo, 2012. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702012000100008

LOHBAUER, Christian. História das Relações Internacionais II. Petrópolis: Vozes, 2008.

WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol.2. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe. Revisão de Gabriel Cohn. São Paulo: Editora UnB, 2004.


Análise do estudo de caso de Harvard “A Doutrina de Stare Decisis e Lawrence v. Texas”

O estudo de caso “A Doutrina de Stare Decisis e Lawrence v. Texas” explica que existem dois tipos principais de sistemas jurídicos: direito civil e direito consuetudinário. Este último vem do direito dos costumes, muito valorizado e adotado em países de língua inglesa, como Inglaterra, Austrália e Estados Unidos da América (EUA). Neste sistema, a jurisprudência ganha uma importância maior no julgamento dos casos. 

O direito civil tem sua origem em códigos de lei, principalmente da época do Império Romano e do Código de Justiniano (528 a 534 a.C). No direito civil, fruto do direito romano, os Tribunais não tem o poder de criar novas leis, apesar de terem poder de interpretar a constituição e os estatutos. 

O aspecto interessante do direito consuetudinário é que, apesar de poder ser regrado por uma constituição, não necessariamente escrita, como no caso da Inglaterra, ele pode ser oriundo de legislatura que pode aprovar certo estatuto, com princípio e regras gerais, delegando “uma agência administrativa ou departamento executivo a autoridade de decretar regulamentações para executar esta intenção legislativa” (p.1).

No direito consuetudinário, o juiz pode criar uma nova lei no decorrer da decisão de um caso particular, além de possuir autoridade de interpretar a constituição, os estatutos promulgados pela legislatura e as regras adotadas pelas agências administrativas. Em particular, nos EUA, há uma cláusula de Supremacia da Constituição Americana que estabelece que esta Constituição seja a lei suprema do país. Dessa forma, não tem validade qualquer lei, federal ou estadual, que entre em conflito com os EUA.

Quem possui autoridade final de interpretar a Constituição americana a ponto de decidir os conflitos no âmbito federal ou estadual é a Suprema Corte. O texto possui o termo “Stare Decisis” no título, pelo fato de essa doutrina ter desenvolvido o direito consuetudinário. A doutrina do “Stare Decisis” vem do sentido de “ficar com as coisas decididas” (p.2). Um caso particular decidido por um Tribunal abrirá precedentes para outros julgamentos vindouros, cujo problema jurídico seja similar e sob a decisão de outros tribunais.

O texto aborda a possibilidade remota de a Suprema Corte indeferir suas decisões anteriores. Um dos casos emblemáticos expostos no estudo de caso foi em Plessy v. Ferguson, onde a Corte indeferiu sua decisão. Na decisão anterior, “havia declarado que vagões segregados não violavam a Cláusula de Proteção Igualitária desde que as instalações disponíveis para afro-americanos fossem ‘iguais’ àquelas fornecidas aos brancos” (p.2).

Outro caso lembrado no estudo foi Roe v. Wade, que fora decidido em 1973 a fim de garantir a uma mulher o direito constitucional protegido ao aborto. Ativistas de Direitos Humanos impeliram a Corte para indeferir Roe v. Wade em 1992. O pedido não obteve êxito, uma vez que no caso foram levados em conta os princípios da integridade institucional e a regra do “Stare Decisis”.

A doutrina do “Stare Decisis” passou novamente a ter o foco das atenções, bem como o alcance do direito à privacidade e responsabilidade pessoal visto no caso Roe v. Wade e outros. Agora no ano de 2003, quando da convocação da Corte Suprema para rever a decisão em Bowers v. Hardwick em 1986. Nesta decisão, a Corte defende um estatuto estadual tornando a prática de sodomia um delito criminal. Daí o texto começa a encaminhar o leitor aos anexos, importantes na compreensão do tema. 

O primeiro anexo trata-se do caso Lawrence v. Texas, em que se trata de invasão da polícia na casa de John Geddes Lawrence. Tal invasão deu-se em resposta a um relato de uma “perturbação” por armas[1]. No entanto, ao adentrarem na casa de Lawrence, encontraram-no praticando sexo anal com outro homem , e os dois foram detido por “desvio de relação sexual” com “um membro do mesmo sexo”, de acordo com o estatuto texano.

Em juízo, os requerentes contestaram o estatuto como violação da “Cláusula de Proteção Igualitária da Décima Quarta Emenda” de disposição semelhante a Constituição do Texas. No final desta consideração, o texto remete a três questões que refletem sobre o direito de propriedade, e o alcance do direito consuetudinário no direito civil subjetivamente.

O texto oferece, após essa descrição e uma breve comparação histórica, importante discussão por meio de pareceres de ministros americanos, acerca da liberdade de pensamento, questões decididas em tempos diferentes, com demandas e panorama social distintos do padrão atual.

Segue abaixo o link para o resumo do caso, da Faculdade de Direito da Illinois Institute of Technology: https://www.oyez.org/cases/2002/02-102



[1] O termo da tradução para o português, “distúrbio”, no texto em português, talvez não tenha sido apropriada. O termo inglês “disturb”, significa perturbação.

Debate sobre a matéria da Revista Veja intitulada “Suprema Corte da Austrália bane o casamento gay”, de 12/12/2013

De acordo com a revista brasileira, o Tribunal australiano considerou inconstitucional lei que aprovava união homossexual em Canberra. Tal decisão repercute sobre a legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo em toda a Austrália. 

Apesar de a Assembleia Legislativa de Canberra ter aprovado, em outubro, o matrimônio gay na cidade, aprovação esta que guiava outras decisões de casos semelhantes em seis estados e dois territórios australianos, o governo criticou a decisão naquela localidade.

Vale lembrar que o governo do país, o qual havia questionado a constitucionalidade da decisão, era conservador, liderado por Tony Abbott. Com a legalização do matrimônio gay rejeitada em setembro de 2012 pelo Parlamento, mais de vinte casamentos foram invalidados no país, que haviam sido formalizados desde a aprovação da lei na capital federal. Além disso, propostas legislativas semelhantes fracassaram recentemente em estados de Sydney.

O artigo aborda, também, como alguns países lidam com o casamento gay, como os Estados Unidos, Grã-Bretanha, Brasil, Uruguai, Argentina, França, Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Islândia, Portugal, Dinamarca e Nova Zelândia.

Em todos esses países, pelo menos, a união civil, a união estável (como no caso do Brasil) ou o casamento homossexual é permitido. No entanto, alguns países ainda tem dificuldades para lidar com a adoção, por parte de homossexuais casados.

No Brasil, o julgamento do RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJE de 26-8-2011 considera a dimensão constitucional do afeto como um dos fundamentos da família moderna, além de considerar o princípio da dignidade da pessoa humana e “busca da felicidade”[1]. Além disso, reconhece e qualifica a união homoafetiva como entidade familiar.

A ADPF julgada pelo STF[2] também segue na defesa dos direitos fundamentais do indivíduo, da autonomia de vontade e direito à intimidade. Reconhece o direito à “busca da felicidade” e proíbe o preconceito para “a proclamação do direito à liberdade sexual”

Vale lembrar que no Brasil, em 2013, a resolução do Conselho Nacional de Justiça proibiu cartórios de todo o País de recusarem o matrimônio e os pedidos de conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo. Dessa forma, resta afirmar claramente que a hermenêutica clássica não é suficiente para resolver os denominados “hard cases”. A interpretação dos Tribunais Superiores vem reaproximando ainda mais o Direito da ética.




[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 477.554-AgR, MG Agravante: CARMEM MELLO DE AQUINO NETTA REPRESENTADA POR ELIZABETH ALVES CABRAL. Agravado: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS – IPSEMG. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 16 de agosto de 2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE477554ementa.pdf. Acesso em: 10/06/2016.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 132 RIO DE JANEIRO. Requerente: Governador do Estado do Rio de Janeiro e outros. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, 16 de agosto de 2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em: 10/06/2016.

Análise do Estudo de caso “Prospecção Internacional em Calçado Esportivo: Nike e Reebok” - Escola de negócios da Harvard, rev. 14 de julho de 1994.

O texto analisa economicamente o grande mercado de calçados norte-americano, chamado de “o maior mercado único do mundo, totalizando $116 milhões de dólares” - havendo significativo aumento no período de dez anos (1982-1992). 

Como principais empresas neste ramo dos negócios nos Estados Unidos da América (EUA) destacam-se duas: a Nike Inc. sediada em Oregon, e a Reebok Intl. Ltd. com base em Massachussets, ambas com 31,8% e 21,1% respectivamente, do mercado no país, bem à frente de Adidas, Converse (da All Star), LA Gear e Avia, por exemplo (p.1).

Essas duas maiores empresas citadas tornaram-se famosas graças às campanhas publicitárias “de alta visibilidade” e, também, devido ao apoio de alguns dos atletas mais famosos do mundo. Outra particularidade do avanço do progresso dessas duas empresas é que elas dedicaram seus esforços basicamente no desenho e na publicidade do produto, não produzindo, efetivamente, o produto.

Nike e Reebok contratavam redes de empresas na Coreia do Sul, Taiwan, China, Indonesia, Tailândia e Filipinas, que produziam os calçados conforme as especificações contratadas, seguindo fielmente os cronogramas de entrega e os padrões de alta qualidade.

Vale ressaltar que a mão-de-obra nesses países era (e continua sendo) muito barata e abundante, o que ajudou a Nike e a Reebok a manter baixos custos. Além disso, as duas empresas não gerenciavam de maneira direta uma operação de fabricação, e não tinham que atrelar o capital social à matéria-prima ou trabalho e em inventário de processo. Como curiosidade no texto, o único inventário em seus livros era de bens acabados. Dessa forma, as empresas norte-americanas minimizaram seus custos de insumo.

Do ponto de vista econômico, percebe-se que o grande sucesso das marcas deve-se fundamentalmente à gerência de manufatura dos produtos, à logística e à evolução das redes de fornecedores, sobretudo devido ao baixo valor da mão de obra asiática no processo de fabricação dos calçados.

Os anexos do texto mostram documentos acerca das relações jurídicas entre as empresas norte-americanas e as contratadas e fornecedores da Ásia, além de relatórios com resultados de pesquisas e pareceres de presidentes, gerentes e responsáveis. Embora considerem o valor de mão de obra reduzido, certificavam-se de que não havia exploração infantil e desvios nas regulamentações laborais, como aspectos de segurança e saúde.

Havia esses contratos com a finalidade de regulamentar o comportamento das fornecedoras, pois de fato era muito fácil burlarem as garantias fundamentais dos trabalhadores longe dos olhos dos administradores centrais, americanos.

No entanto, as condições de trabalho ainda eram precárias, mesmo com a tentativa de regulamentação, o que se pode perceber na Indonésia, por exemplo, onde salários eram muito abaixo do recomendado e insuficiente para arcar com despesas básicas.

Tal realidade na Ásia tornara-se insustentável para a Nike, uma vez que os lucros atingiam níveis estratosféricos, que não se relacionavam com a qualidade do trabalho executado nas fornecedoras (produtoras). 

Obviamente, ao ser questionado, o CEO da Nike defendeu a empresa, além de se mostrar solidário com os trabalhadores da Indonésia. Da mesma forma foi com a Reebok, que também fora criticada pela realidade encontrada em suas produtoras, onde não havia respeito aos direitos trabalhistas e aos direitos humanos.

O estudo de caso mostra, em perfeita metodologia, e de acordo com a ciência (neste caso, a social), que ainda existe um preço a ser pago pelo lucro exorbitante de empresas famosas; esse preço é pago pelos próprios trabalhadores desvalorizados, no anonimato, com suor, sangue e lágrimas. Neste caso, até os dias de hoje, deverá haver constante observação e crítica por parte de instituições que se dedicam à aplicação correta dos direitos laborais e humanos, em níveis nacional e internacional.

domingo, 12 de junho de 2016

Legal English: alguns termos importantes no vocabulário do inglês jurídico

Hoje me interessei por expor um importante assunto para todos nós, “operadores do Direito”. Importante, porém um pouco esquecido pelos profissionais da área jurídica, que é o inglês. Mas não somente o inglês que vemos no dia a dia nos filmes, músicas e noticiários. É o inglês jurídico.

Tenho comigo um áudio livro chamado “Inglês Jurídico para Profissionais”, de uma das especialistas sobre o assunto no Brasil: a professora, advogada e tradutora Marina Bevilacqua de La Touloubre. O livro é uma importante ferramenta para aqueles que trabalham com inglês para a área jurídica. É da Editora Saraiva.


Há, também, um livro conceituadíssimo de Durval de Noronha Goyos Jr, “Legal Dictionary”, um must have (utilizando um jargão da moda) para os interessados em geral.

Desse livro, podemos retirar alguns importantes termos:

Account – duplicata

Adversary System – contraditório

Assault – Lesão corporal; uso de força

Ballot Box – Urna eleitoral

Bankrupt estate – Massa falida

Collateral contract – Contrato de garantia

Compromise – transação

Consideration – Remuneração; pagamento

Consortium – Direitos conjugais

Consular marriage – Casamento no consulado

Decree nisi – Decreto judicial provisório

Dictum – Sentença

Dock – Banco dos réus 

Dock brief – Caso criminal

Evidence – Prova; evidência

Factorage – comissão

Inveigh – Insultar verbalmente

Latent defect – vício oculto

Magistrate – Funcionário Público

Negligent escape – Fuga não auxiiada

Negotiable instruments – Títulos de crédito

Net Interest – Juro Líquido

Offspring – Decendência; prole

Plunder – Saque; roubo

Point Blank – à queima roupa

Private Company – Sociedade de Capital Fechado

Privilege – Sigilo profissional

Probate – Sucessões

Probate proceeding – Processo judicial de inventário

Rant – Raiva; fúria

Remedy – Recurso

Scalper – Cambista

Surrender of share – Cancelamento de ação

Terre-tenant – Possuidor (senhorio)

Trial Jury – Corpo de Jurados

Warrant – Ordem de pagamento

Writ – Mandado; ordem (talvez o mais conhecido nas faculdades de Direito)

Writ of Review – Recurso Judicial

Portanto, como podemos ver, o assunto é muito interessante. Mas a lista acima é apenas uma pequena parcela do que temos que estudar para entender mais sobre o Legal English. Considerando a vasta gama de termos jurídicos no inglês e a redação fluente que temos que manter para sermos compreendidos da maneira mais clara e concisa possível, é importante que o estudante dedique semanalmente algumas horas de estudo e exercício.


GOYOS JUNIOR, Durval Noronha. Legal Dictionary, São Paulo: Observador Legal, 2006.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Capítulo 3 do livro “História das Ideias Socialistas no Brasil”, de Leandro Konder

Uma das resenhas apresentadas no

"Tópico de Esquerdas no Brasil"

Prof. Ricardo Castro/IFCS-UFRJ

“Os anarquistas brasileiros”

O autor ressalta o período da Primeira Guerra Mundial como ponto-chave de uma transformação que ocorre dentro do Brasil. A economia sofre um abalo considerável na exportação de café e no emprego de uma forma geral. A partir desse momento, surgem revoltas de operários brasileiros, devido a diversos tipos de reivindicação, sobretudo salarial. Outros setores revelam seus pedidos de forma mais intensa e assim se percebe o movimento feminista; famílias em que o chefe trabalha em condições anormais, novas camadas políticas, inclusive projetos de partidos e, para se chegar ao ponto que o autor deseja, os anarquistas.

Com o crescimento do movimento operário, surgiu também a necessidade de se formar um partido que defendesse essas ideias. No entanto, as dificuldades para se chegar a um estabelecimento de ordens fizeram com que dúvidas pairassem, como, por exemplo, a viabilidade de realmente se participar de uma vida política e partidária. No momento, os anarquistas tinham prestígio e sabiam como liderar e combater com seus ideais. O respeito, porém, não fez com eles se aproximassem do movimento operário.

Chegavam ao País os ideais oriundos da Revolução Russa e da tomada de poder pelos comunistas, além de eventos marcados pelas atitudes de Lênin. Mas não estava bem definido o que se defendia e as notícias que chegavam não tinham definições plausíveis. Sabia-se, mais tarde, por meio de um clareamento maior da visão política, que concepções socialistas russas não iam de encontro com as concepções brasileiras. 

Politicamente, e comparando com a Argentina, que já possuía um partido comunista em 1918, o Brasil começa a ter um Partido Socialista por meio de discussões de ex-anarquistas, que naquele momento revia suas posições. Dentre os nomes importantes de anarquistas que ajudaram a construir uma identidade e ao mesmo tempo uma consistência política ao comunismo e à prática política, de fato, destaca-se o de Astrojildo Pereira. 

Com a formação política acontecendo aos poucos no cenário em questão, e em decorrência desse processo, surge o PCB em março de 1922. Quatro meses depois, acontece no Rio a “marcha dos 18 do Forte” de Copacabana, decorrendo na prisão de Hermes da Fonseca. Isso foi o ponto de partida para o desencadeamento de uma crise política na época. Mais tarde, a confusão ideológica que houve no País foi motivo de certo constrangimento entre os comunistas brasileiros, que já tinham comunicação direta com a União Soviética, sobretudo por parte dos intelectuais. Para uma melhor interpretação da realidade brasileira, propôs o marxismo-leninismo a tratar desse assunto, por meio de seus representantes-membros do PCB.

Essa nova e aprimorada interpretação criticava os “pólos imperialistas” os quais, segundo Octavio Brandão - alagoano que chegou a mostrar seu pensamento e que define sutilmente essa crítica - incluía aqueles que eram voltados para os Estados Unidos, destacando-se o Barão do Rio Branco; e aqueles voltados ao imperialismo inglês, destacando a pessoa de Rui Barbosa. Mais adiante, a Revolução de 30 liderada por Luiz Carlos Prestes ajudou a desmanchar a atual situação de controle oligárquico que permanecia no cenário político, embora o caráter da Coluna não fosse socialista.

Na década de 30, com o surgimento do Stalinismo e do Trotskismo, os trabalhadores assalariados dividiram-se em termos ideológicos. Uma parte considerável viu-se mobilizada e sensível pelos ideais e pelos feitos de Getúlio Vargas, muitos também socialistas ou simpatizantes do socialismo. Outros viam a política do presidente gaúcho como paternalista. 

No campo dos debates ocorridos após esse momento, o stalinismo, por um lado, fadou em simplesmente seguir o cumprimento das tarefas e diminuir a reflexão e a crítica. A discussão política dentro dos partidos comunistas não tinha vez de se expor. Os trotskistas, por outro lado, defendiam ideais diferentes e se viam como principais críticos a essa vertente que, de modo geral, utilizava a doutrina codificada do marxismo-leninismo, exposta em manuais para se chegar à concentração de poderes, no campo teórico e no político. Essa disputa e esse debate permaneceram na política por um tempo, a ponto de o Partido Comunista obter como direção os stalinistas.

sábado, 26 de março de 2016

O que são Potências Mundiais e como são diferentes das demais (potências)?

Introdução

O sistema de Estados da modernidade inclui, primeiramente, relações organizadas entre unidades políticas independentes. Isso é o principal ponto para compreensão de toda a estrutura do sistema de Estados existente a partir do século XVI. Segundo Martin Wight (2004), principal autor pesquisado para a confecção deste trabalho, antes desse período os Estados não conheciam a soberania. Portanto, nenhuma nação ou nenhum Estado iria repudiar qualquer outro poder que fosse superior. Existia, no período medieval, entre os séculos XI e XII, o poder da Igreja, por exemplo, o qual impedia o surgimento de qualquer poder maior.

Com isso, não é considerado pertinente aceitar a soberania e unidades políticas independentes como uma regra seguida no percorrer da história. Imprescindível ressaltar que houve uma transformação, durante a Idade Moderna, mais precisamente no ponto em que ocorre a Paz de Westfalia, na qual foram aprimoradas as iniciativas de soberania de Estados e, não com menos importância, o equilíbrio de poder. 

Após a Era Moderna, no século XX, percebemos a transformação mundial após a Segunda Grande Guerra sob o panorama da Guerra Fria, onde duas superpotências (EUA e URSS) permaneciam no controle termonuclear. Demétrio Magnoli enfatiza que esse conflito foi, ao mesmo tempo, uma cooperação: “As superpotências termonucleares estabeleceram um conflito que repercutiu em todos os planos: os modelos econômicos, as instituições políticas, a diplomacia, a ideologia e a propaganda, os dispositivos militares (e) os contendores respeitaram escrupulosamente as linhas demarcatórias e das respectivas esferas de influência” (MAGNOLI, 2006, p194).

Serão discutidos, neste texto, os poderes das antigas potências, suas corridas em busca de influência e de dominação, além das diferenças das suas características e relacioná-las com o principal texto sobre o assunto, lido durante o curso de Introdução ao Estudo das Relações Internacionais. Para isso, haverá breve pesquisa em livros factuais, como “A Era dos Extremos”, de Eric Hobsbawm e de autores brasileiros.


O que são Potências Mundiais?


Wight afirma que o poder de uma potência baseia-se em componentes primordiais como número da população, extensão territorial, economia, produção, educação, tecnologia, entre outros. Potências antigas, como França e Inglaterra, ou potências que ainda surgirão com grande poder, consideram como peças-chave a liderança moral e maturidade política, apesar de, na Política Internacional, influência não significar poder.

Com a afirmação acima, vale destacar que, no panorama político internacional do final do século XIX, a Europa Ocidental traçava sua política que iria ditar a navegação, a produção e o comércio e os limites das conquistas da África – regras do sistema imperialista – porém não contava que grandes Estados no momento, como Itália, Japão e Alemanha, que esboçavam seus lugares como potências mundiais, iriam em pouco tempo encontrar o enorme colapso social, econômico e político pós-guerra.

As potências já consolidadas, como Áustria e França, procuravam manter-se na frente daquelas que estavam surgindo. Havia então uma corrida imperialista, na qual estados desejosos de serem potência e outros estados já considerados como potência buscavam territórios ultramarinos com o intuito de se destacarem no cenário político da época. É evidente esse fato histórico para constatar os esforços que as potências faziam para obter o domínio do sistema de Estados, a ponto de culminar numa grandiosa guerra, através de sucessivas tentativas de dominação.

Quanto às potências dominantes, elas devem ser definidas em termos de propósitos e de poder. As potências se engajam, segundo Wight, num processo de engrandecimento, incluindo de alguma maneira apelos para unidade ou para a solidariedade internacional. Diplomaticamente, porém, o termo “potência dominante” não seria aceitável, pois o próprio conceito de hegemonia seria questionável. É possível estudar, por exemplo, as “inter-relações diplomáticas normais”, a diferença entre grandes potências e outras potências.

As “pequenas potências” estariam dependentes das decisões das maiores, por meio de uma aceitação já conhecidamente tradicional e histórica. Essas grandes potências juntariam-se com outros grandes para reunir-se em uma espécie de diretório para impor vontades sobre os Estados.

O poder nas relações internacionais pode ser dividido de acordo com a estrutura dos Estados, podendo ser chamados de médias potências, grandes potências, superpotência, potência regional, por exemplo. Todos eles relacionados com a preponderância, não necessariamente com o sentido de unicidade no panorama mundial. Potência dominante seria, em termos de definição política, uma potência apta a medir forças contra todos os rivais juntos.

Potências podem ser definidas como estados que possuem determinada força influenciadora em campos econômicos, militares e políticos. Segundo o Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, o Poder Potencial (não a potência em si) “é a capacidade de determinar o comportamento dos demais” (BOBBIO, 2000, p. 936). Há a distinção, de acordo com a obra, entre Poder atual (relação entre comportamentos) e o potencial, que consiste na relação entre atitudes para agir. De uma forma geral, essa idéia pode ser trazida para ajudar a definir o que são potências, tendo em vista, cabe frisar, os recursos que o estado ou nação possui para tornar possível seu reconhecimento como potência mundial.

Durante a passagem da Idade Moderna, com as transformações ocorridas com as Revoluções francesa e americana, reinos, impérios e repúblicas tornar-se-iam iguais do ponto de vista diplomático, devido ao abandono da antiga ordem de precedência entre os soberanos (com base nos títulos mais antigos). A doutrina de igualdade jurídica entre os estados foi amplamente divulgada e aceita e, com isso, o “voto de unanimidade”, corolário que acompanhava essa doutrina, tornou-se importante para respeitar aqueles estados que não consentissem acordar com determinadas decisões – e assim não serem dominados por decisões de potências ou maiorias.

Cem anos adiante, “potências” passou a ter o sentido de “grandes potências”, e o concerto delas ganhou espaço e governo livre no mundo, porém de forma inconstante e difícil. Antes de passar para o próximo item, convém mostrar uma rápida definição de potência, dentre muitas outras definições que podemos destacar na obra de Martin Wight: “Uma potência é simplesmente uma coleção de seres humanos seguindo certas formas de ação tradicionais, e, caso um número suficiente deles resolva alterar seu comportamento coletivo, é possível que tenham sucesso” (WIGHT, p.8). Isso pode ser interessante ao começar a falar de diferenças.






Como elas são diferentes das demais?


Primeiramente, Wight afirma que o princípio de autodeterminação nacional garante o direito de cada nacionalidade poder instituir um estado e assim tornar-se potência. O acordo de paz de 1919 havia sido uma reorganização da Europa de acordo com o princípio acima. Existem diferenças entre as próprias potências, ressaltando os pontos principais já discorridos, como a extensão territorial, a economia, a cultura etc. Elas são ainda consideradas no ponto de vista de Wight mais como um produto de acidente histórico do que como “encarnação” do direito nacional.

A Grã-Bretanha do século XIX destacou-se pela sua hegemonia naval, recuperada nas guerras revolucionárias e napoleônica. Após um momento de inimizades e de derrota, a partir de uma coalizão feita entre os Estados Unidos e outros estados durante a Guerra de Independência Americana, Grã-Bretanha reergueu-se para retomar seu lugar na influência mundial. 

Esse país estava entre outras potências, como afirma Eric Hobsbawm – França, Rússia, Áustria-Hungria, Prússia, Alemanha e Itália (após unificação). Porém, para a Grã-Bretanha, o século havia sido muito favorável, denotando a sua força naval e econômica, adquirida através de uma massiva distribuição de seus produtos manufaturados e de seu capital no mundo.

Os britânicos tinham como peculiaridade na época seu poderio naval, enquanto que os Estados Unidos, por exemplo, começavam a despontar sua força em terra. A Alemanha era reconhecidamente forte por terra já em 1898, além da França, inclusive. Esse panorama iria mudar somente com a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA definitivamente ganhariam destaque no poderio naval enquanto que a Rússia transformar-se-ia potência terrestre de grande relevância.

Apenas o fato de falar sobre as potências como se elas fossem uma pessoa agindo, seria uma conseqüência do nacionalismo do século XIX. Devemos perceber uma correlação mais complexa ao falarmos, por exemplo, que a Grã-Bretanha fez algo. Há, por trás “da Grã-Bretanha”, funcionários, entidades, pessoas. Tanto nos Ministérios, no governo, na Câmara, no eleitorado e até mesmo nas tradições culturais. Portanto, existem escolhas humanas por trás de qualquer ação de um país.

O poder dominante foi acompanhado também por um fator importante: a língua. O latim perdeu espaço como língua das relações internacionais para o francês, no século XVII. Mais tarde, o inglês despontava após a forte presença dos EUA e da Grã-Bretanha na Conferência de Paris. Isso pode ser um impulso para a influência de um estado no mundo. Na medida em que essa potência surge, mais a necessidade de conhecimento da linguagem que ela possui como tradição. 

A guerra foi um outro fator importante para distinção das potências. Aquelas que eram grandes potências possuíam interesses gerais, manifestavam a vontade de patrocinar conferências de paz, de convidar nações interessadas etc, enquanto que os outros, tratados como “resto”, seriam as potências com interesses limitados. Obviamente, ser grande potência garantia um status que o levava a ser de fato o agente em assuntos internacionais – dando-lhe direito de ter assento permanente no Conselho da Liga das Nações.

“Superpotência” foi cunhada para estados cuja relevância ainda se torna maior no panorama mundial. Há discussões teóricas a respeito dessa dominação, porém há de se destacar que existe uma diferença entre o que se denomina formal e outra substantiva – tênue contraste entre o que é reconhecido de maneira formal, e o que é evidentemente reconhecido por todos. Os motivos para se chegar à denominação de grande potência já foram explicitados, como campanha de guerra bem-sucedida, seu poder econômico etc.

No que cabe à atualidade, percebemos o despontar de novas potências mundiais, como a China (economia crescente desde 1991), o Brasil, a União Europeia, a Rússia e Índia, não porque se destacam em indústria nuclear ou bélica, por vitórias em guerras, mas sim porque se destacam no crescimento da economia, no aumento do PIB, nas reservas naturais e na sustentabilidade, e são agentes imprescindíveis nas questões multilaterais, diferenciando-se, assim, da visão do que seria uma potência antes do século XXI.

Conclui-se que, além de haver diferenças de cunho militar, político, econômico, social e cultural entre as potências, há também diferenças de cunho histórico, pois determinadas exigências e circunstâncias se adaptam à época, e certos países se encaixam ao perfil ideal, no momento certo, devido ao seu processo de desenvolvimento, como pude perceber durante a feitura deste trabalho.

Bibliografia:
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 2000. 

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 

MAGNOLI, Demétrio. Relações Internacionais: teoria e história. São Paulo: Saraiva, 2006.

OLIVEIRA, Semi Cavalcante de. Evolução política e econômica mundial no período das duas grandes guerras. Revista da FAE.Curitiba, maio/ago. 2002.

WIGHT, Martin. A política do poder. Brasília, São Paulo: Editora UnB, IPRI e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.