terça-feira, 21 de junho de 2016

Um breve apontamento sobre as ideias de Max Weber acerca da Administração Pública em “Economia e Sociedade”



Resumo

O presente trabalho tem a intenção de expor de maneira breve as ideias principais de Max Weber a respeito da Administração Pública em seu livro “Economia e Sociedade” (Wirtschaft und Gesellschaft), de 1913, em especial no Capítulo VII da obra, chamado “Sociologia do Direito”. O trabalho também tem o intuito de relacionar os pontos principais das ideias de Weber com algumas ideias contemporâneas do Direito Público brasileiro, ­ressaltando a importância da obra para a compreensão da Sociologia Jurídica atual, bem como refletir sobre o sentido de Poder Público para Weber por meio da racionalização jurídica.



Palavras-chave: Max Weber; Administração Pública; Economia; Sociologia Jurídica



Introdução e contexto histórico

Max Weber nasceu em Erfurt, no dia 21 de abril de 1864 e faleceu em Munique aos 14 de junho de 1920. Foi considerado um dos fundadores do estudo da sociologia moderna, embora tenha sido atuante e também conhecido na Economia, no Direito, na Filosofia e na Ciência Política. Suas principais obras foram “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1905; “Economia e Sociedade”, finalizada em 1922 e; “História Econômica geral”, de 1927.

No contexto histórico, Weber foi contemporâneo de Karl Marx e, para uma ligeira ilustração da atividade intelectual da época, em 1884, o volume do Capital é publicado, embora não tenha sido concluído. Na política e na economia, o período mundial que consistia entre o final da Guerra Franco-Prussiana em 1871 e o início da Primeira Guerra Mundial teve como importante característica o avanço da interdependência econômica mundial em proporções inéditas. E a Europa era o foco principal desse processo. 

Nas palavras de Christian Lohbauer, “o capitalismo industrial e comercial atingiu finalmente todos os continentes e unidades políticas, fossem colônias, ou nações soberanas” (LOHBAUER, 2008, p. 13). Desenvolveram-se os meios de comunicação, as estradas de ferro, meios de navegação em rios e canais artificiais, contribuindo sobremaneira para o comércio e a economia mundiais. 

Em 1890, Otto Von Bismarck sai da chancelaria do Império Alemão. O imperador Guilherme II, o novo Kaiser alemão, passa a ter papel fundamental nas relações diplomáticas entre as potências. Leis navais importantes passaram a ser promulgadas no Império Alemão com o apoio da classe industrial e nacionalista.

Weber encontrava-se, portanto, neste cenário: em plena unificação alemã. É densa toda sua extensa obra, porventura pertinente até os dias de hoje, especialmente Economia e Sociedade. O livro abarca minuciosamente o momento pelo qual o autor passava e, por meio da observação, conseguiu traçar importantes teorias e teses sobre a sociologia do Direito. Hobsbawm descreve aquele momento como um nacionalismo não oficial o qual estava soldado à “pequena Alemanha”, à qual:



(...) desde sempre se opusera – pelo poder militar e pela ambição global, conforme testemunham o triunfo do “Deutschland über Alles” sobre hinos nacionais mais modestos e o da nova bandeira prusso-alemã, preta, branca e vermelha, sobre a de 1848, preta, branca e amarela, ambos ocorridos na década de 1890 (HOBSBAWM, 2010, p. 173)



Após a morte de Weber, sociólogos contemporâneos fazem ressurgir as suas ideias, como o sociólogo americano Talcott Parsons, ao publicar em 1937 “A Estrutura da ação social”, apresentando, assim, Weber para o mundo atual.

Para M. Rainer Lepsius, Economia e Sociedade, organizado pela esposa de Weber, Marianne Weber, e mais tarde por Johannes Winckelmann, é um “torso” (LEPSIUS, 2012). Max Weber entregou para os serviços de impressão somente os três primeiros capítulos e o início do quarto. Portanto, somente estes foram, de fato, autorizados.

De acordo com Lepsius, o que houve no caso de Economia e Sociedade foi que dificilmente Weber o teria publicado como hoje é visto; o que existem são “versões inacabadas, originadas em diferentes fases de trabalho” (Op. Cit.). De uma maneira geral, o que fora publicado não havia sido autorizado pelo próprio autor.



Faltava uma introdução sistemática aos manuscritos do espólio. O texto que provavelmente ocupava essa posição, “Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva”, foi publicado em separado por Weber em 1913. Ele foi substituído pelos “Conceitos sociológicos fundamentais”, cuja terminologia, por essa razão, também não se encontra nos manuscritos do espólio. Mas tampouco a terminologia do artifo sobre as categorias foi utilizada continuadamente. Esta última, utilizada em parte nos manuscritos do espólio, precisa ser vista como superada. Os conceitos de “agir comunitário” e “agir concordante” foram substituídos por “agir social” (LEPSIUS, 2012).



Weber disse a um colega: “exagerar é a minha profissão”. Essa afirmativa, segundo Cohn (2003, p. 7), é o reflexo de todo o trabalho do autor alemão, condensado por meio de extensa pesquisa em diversos campos do saber, denotando erudição sem igual naquela época e preocupação com as questões políticas de seu tempo. 

Durante a fase decisiva da Primeira Guerra Mundial, Weber criticou veementemente a postura e os erros do governo alemão, representado por Guilherme II, a respeito de que se intensificasse a guerra submarina, a Alemanha estaria atraindo contra si a entrada dos Estados Unidos, “o que seria fatal” (Op. Cit.).

O nome de Weber, segundo o especialista da Universidade de São Paulo, 



(...) está intimamente associado na literatura sociológica à formulação de um conceito básico para a análise histórico-social: o “tipo ideal”. Trata-se de recurso metodológico para ensejar a orientação do cientista no interior da inesgotável variedade de fenômenos observáveis na vida social. Consiste em enfatizar determinados traços da realidade – por exemplo, aqueles que permitam caracterizar a conduta do burocrata profissional e a organização em que ele atua – até concebê-los na sua expressão mais pura e consequente, que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis (COHN, 2003, p. 8).



É sob essa perspectiva social e política que Weber redige suas principais ideias acerca da Administração Pública no capítulo VII de Economia e Sociedade, analisado a seguir.


Análise dos principais aspectos sobre Administração Pública no capítulo VII de Economia e Sociedade

O Capítulo VII de Economia e Sociedade, intitulado “Sociologia do Direito”, é carregado de palavras-chave. Dentre elas destacam-se os principais termos para a análise neste trabalho: racionalização; Ações Sociais; generalização; sistematização e Sociologia Compreensiva. Primeiramente, o autor ramifica a racionalização do Direito entre generalização e sistematização do Direito.


Generalização e Sistematização


A generalização, de acordo com o próprio autor, seria reduzir as ações que determinam a decisão a um ou diversos princípios. A sistematização, por sua vez, seria por as disposições jurídicas em inter-relacionamento por meio de análise, formando, assim, um sistema de regras. Esse ponto de vista torna-se lógico ou abstrato. O autor inicia diferenciando as áreas jurídicas objetivamente, uma vez que, segundo Cohn, a ideia da objetividade do conhecimento continua sendo problemática para Weber (COHN, p.22).


As Ações Sociais


De uma maneira sintética, as Ações Sociais impressas no Capítulo VII de Weber não pode ser definido como a sociedade, ou grupo social ou por meio de qualquer outro conceito de referência coletiva, embora obviamente a Sociologia trate de fenômenos coletivos, os quais Weber não negaria. Para Cohn,

O que ele [Weber] sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é “individualista” quanto ao método. Isso é inteiramente coerente com a posição sempre sustentada por ele, de que no estudo dos fenômenos sociais não se pode presumir a existência já dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrínseco; vale dizer, em termos sociológicos, de um sentido independente daqueles que os indivíduos imprimem às suas ações (Op. Cit. p. 26).


Para o agente, o motivo é o fundamento da ação; para o estudioso desse fenômeno, o sociólogo, o qual compreende essa ação, procura buscar a reconstrução do motivo e isso é fundamental para ele, pois a partir desse ponto de vista, ele figura como a “causa” da ação. Não se busca a origem da ação, ou seja, como e de onde ela surge, mas o objetivo da ação: o que ela visa buscar, o seu fim.

Convém salientar que a ação social não é um ato isolado mas um processo, no qual se percorre uma sequência definida de elos significativos (admitindo-se que não haja interferência alguma de elementos não pertinentes à ação em tela, o que jamais ocorre na experiência empírica e só é pensável em termos típico-ideais). Basta pensar em qualquer ação social (por exemplo, despachar uma carta) para visualizar isso. Os elementos desse processo articulam-se naquilo que Weber chama de “cadeia motivacional”: cada ato parcial realizado no processo opera como fundamento do ato seguinte, até completar-se a sequência (Op. Cit. pp 27 e 28).


O destaque no texto de Weber é o foco na singularidade das Ações, por meio de agentes individuais, mas também por meio de análise sociológica. É como observar uma pequena parte e tentar analisar um todo, sobre o qual não se pode ter um domínio completo. Este agente individual dá sentido às ações. E cada ação tem sentidos particulares, com autonomia interna “das diferentes esferas da existência humana”. 

Para melhor compreensão de Ação Social, para partir para a análise da próxima palavra-chave, nela a conduta do agente orienta-se pela conduta social, do outro, ou de outros. Exemplo disso é o aperto de mão, classificado por Cohn como ação social, pois tal conduta é orientada pela conduta do outro, como se fossem dependentes um do outro.


Da racionalização para o Círculo da Administração Pública


Weber analisa no capítulo VII o Direito como expressão do processo da racionalização inerente às sociedades ocidentais. Ele interpreta as ações dos indivíduos, que são as ações sociais, e as conexões entre os meios e os fins dessas ações. 

Poder-se-ia dizer que o autor vê o Direito com diversas matrizes, como na visão de um caleidoscópio, embora haja o interesse no aspecto formal do Direito, assim como na sua aplicação imediata. A teoria, vale ressaltar, é sempre passível de tentar explicar a realidade, mas está sujeita às escolhas subjetivas, de acordo com Weber.

O círculo da Administração Pública envolve três coisas: a criação do Direito, a aplicação do Direito e aquilo que resta de atividades institucionais públicas de se separar aquelas duas esferas, o “governo”. Para o governo, o indivíduo e seus interesses, juridicamente, são em princípio, objetos, não sujeitos jurídicos.

A postura do chefe de família é a forma mais primitiva de “governo”, pois ele desconhece o procedimento jurídico, com formas, prazos, provas. É a forma primitiva da aplicação do Direito. Com o passar do tempo, houve fases e fatores sociais que contribuíram para a racionalização peculiar à civilização ocidental. 

Weber avalia a qualidade moral das regras jurídicas (tendo um enfoque moralista) e contrasta com as necessidades subjetivas dos indivíduos. O Direito Público trata das questões dos interesses de que deve cuidar o próprio Estado, como instituição. No entanto, esses interesses confundem-se com a própria necessidade subjetiva, o que pode causar privilégios. 

Neste caso, é interessante refletir sobre o atual Direito brasileiro, que garante foro privilegiado e prerrogativas, por exemplo. Trata-se de um interessante aspecto que Weber havia previsto. Para Weber,


A questão de quais sejam, em cada caso, os interesses de que deve cuidar a própria insituição do Estado, até hoje, está sujeita a mudanças. E, sobretudo, pode acontecer que uma área de interesses seja intencionalmente regulamentada mediante o direito estatuído, de tal maneira que a criação de pretensões privadas de indivíduos e a de poderes de mando ou outras funções de órgãos estatais, às vezes até referentes à mesma questão, coexistam numa situação de concorrência (WEBER, 2004, p. 3).


O autor lembra do direito e das competências, principalmente dos poderes de mando, que tem o caráter de privilégios pessoais, e também as “prerrogativas”. Para Weber, o poder político, pela perspectiva jurídica, não tem estrutura de instituição, porém se apresenta na forma de “relações associativas e compromissos concretos dos diversos detentores e pretendentes de faculdades de mando subjetivas” (Op. Cit. p.3).

Por meio da perspectiva privada, quem possui originalmente toda administração é a autoridade doméstica. Weber analisa historicamente para discorrer sobre a origem do direito civil, a sua divisão com o direito penal, a abordagem do processo jurídico primitivo, com a ausência da culpa nas relações sociais, bem como do grau de culpabilidade estabelecido pela intenção.

Algumas regras no Direito Público eram estabelecidas por meio de certas restrições, como limitação de poder e divisão de poderes. Weber dá o exemplo da Idade Média, onde ninguém se ocupava do direito público, pois neste período a divisão de poderes era apenas concorrência entre direitos subjetivos, que naquele momento eram privilégios ou pretensões feudais.

Quanto à racionalização, um direito é formal “na medida em que se limita a considerar, no direito material e no processo, as características gerais unívocas dos fatos” (Op. Cit. p.13).


Sobre a Sociologia Compreensiva

Durante todo o texto, por meio de análise histórico-social da Europa e principalmente da Alemanha recém-unificada, Weber utiliza os seus fundamentos sobre Sociologia Compreensiva. Na verdade, esta palavra-chave deveria ser abordada antes de “Ação Social”, pois trata-se da base para se compreender as demais palavras-chave comumente utilizadas pelo autor.

A Sociologia seria tratada como ciência, pela qual se busca compreender o coletivo, interpretando a Ação Social. A ação social está intrínseca à sociologia compreensiva, pois essa interpreta as ações mentalizadas pelos sujeitos. Por meio da observação de fenômenos isolados, ordena-se um tipo, uma determinada realidade; compara-se por meio de análise de uma ação individual para o todo, coletivo.


Conclusão


A vasta erudição de Weber faz do Capítulo VII de Economia e Sociedade um texto multifacetado, onde há perspectivas sociológicas, históricas, jurídicas e até econômicas, embora o Capítulo VII não trate especificamente de Economia. 

Para isso, a ideia surgida após a leitura foi dar destaque na abordagem da Administração Pública, buscar analisar as ideias do autor com alguns aspectos jurídicos contemporâneos e analisar as palavras-chave mais frequentes e que formam a base para a compreensão da obra.

O trabalho teve caráter de breve apontamento, com o desafio de sintetizar o máximo as ideias do autor. Foi importante a exposição do conteúdo histórico para entender o panorama social do início do século XX na Europa. Com isso, o trabalho pode relacionar os pontos principais das ideias de Weber com algumas ideias de Direito Público, ­ressaltando a importância da obra para a compreensão da Sociologia Jurídica atual, bem como ter refletido sobre o sentido de Poder Público para Weber por meio da racionalização jurídica.


Referências bibliográficas

ARRUDA, Julia Peixoto de Azevedo. A sociologia do Direito de Max Weber. Artigo publicado no portal e-governo. http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/sociologia-do-direito-de-max-weber

COHN, Gabriel (org.). Weber. São Paulo: Ática, 2003.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

LEPSIUS, M. Rainer. Economia e Sociedade: a herança de Max Weber à luz da edição de sua obra completa. Revista Tempo Social. Vol 24, nº 1. São Paulo, 2012. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702012000100008

LOHBAUER, Christian. História das Relações Internacionais II. Petrópolis: Vozes, 2008.

WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol.2. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe. Revisão de Gabriel Cohn. São Paulo: Editora UnB, 2004.


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